Democracia racial – O que é? Como surgiu? Dados estatísticos

A questão do racismo e do negro no Brasil, até hoje, despertam reações diversas e calorosas, mesmo que a escravidão seja um fato histórico que não deveria ser questionado. O que aconteceu após a abolição da escravatura, em 1888, e que nos leva até os dias atuai, tem levado muitos estudiosos a procurarem compreender como o Brasil se formou após milhares de negros serem libertos no país e, principalmente, como a sociedade tratou essas pessoas após o fim de um verdadeiro massacre.

De um lado, intelectuais e indivíduos defendem que o Brasil é um país cordial e acolhedor e, por isso, soube conviver muito bem com os imigrantes e o caldeirão cultural e racial que se formou no país ao longo de sua história. Outros vão questionar essa “democracia racial”, colocando que o negro e o índio sempre foram subjugados e que o racismo seria uma expressão desse processo e um resquício da escravidão. A ideia, neste artigo, portanto, é trazer um pouco do debate desse conceito e como a questão é vista atualmente.

Como surgiu o conceito da democracia social?

O termo democracia racial foi levantado por alguns estudiosos que, no começo do século XX, defendiam que o Brasil, devido à sua formação cultural, reforçada pela miscigenação de raças, escapou de problemas como a discriminação racial e o racismo.

Para eles, os brasileiros não são preconceituosos e convivem harmoniosamente entre si, independentemente de raças. Além disso, os problemas que afetam a mobilidade social dos brasileiros não têm cunho racial e estão mais ligados a temas como classe e gênero.

O principal ideólogo da democracia racial foi Gilberto Freyre, que apresentou o conceito com a obra Casa-Grande e a Senzala, de 1933. Vale ressaltar, porém, que o sociólogo brasileiro nunca usou tal termo nesse trabalho, embora tenha passado a adotá-lo em publicações posteriores. O autor argumentava que as relações próximas entre os senhores de engenho e escravos antes da Lei Áurea, de 1888, e uma visão positiva em relação ao colonialismo mantido sob a coroa portuguesa, teria impedido a categorização rígida de raças.

Além disso, a junção das três raças (brancos, negros e índios) faria surgir uma meta-raça, e que isso impediria qualquer preconceito ou discriminação.

“Freyre mostra que o Brasil, desde o início de sua colonização, foi um verdadeiro caldeirão de mistura racial. Miscigenaram-se brancos e negros, brancos e índios, negros e índios. E esta miscigenação toda gerou uma ‘meta-raça’ no Brasil. O homem desta ‘meta-raça’ já não é mais nem europeu, nem africano, nem índio. É um homem novo, o homem dos trópicos, situado na América”, escreve Inácio Strieder, na obra Democracia racial: a partir de Gilberto Freyre.

A democracia racial como um mito

Porém, diversos autores e especialistas questionam tais ideias, rechaçando completamente a hipótese de democracia racial no país. Isso porque, na visão deles, o racismo está presente e não há oferta de oportunidades a todos, sendo que a cor da pele acaba influenciando bastante nesse processo.

A criação de uma suposta harmonia entre raças seria, na verdade, uma tentativa de encobrir toda a nossa história de subjugação e violência contra os negros e também a discussão sobre as consequências da escravidão e da desigualdade, mesmo após a abolição da escravatura.

Um artigo publicado na Geledés – Instituto da Mulher Negra coloca que a história brasileira foi essencialmente racista e se configurou como uma grande ameaça aos negros. “Há uma crença generalizada, pregada pelos promotores e beneficiários da escravidão no Brasil e no resto da América Latina, que, nas colônias espanholas e portuguesas da América Central, do Sul e Caribe, a escravidão era menos dura que nas colônias inglesas, principalmente nos Estados Unidos. Historicamente, esta concepção é uma total falsificação. A brutalidade e as crueldades, exibidas pelos proprietários e mercadores de escravos na América Latina, foram tão fantásticas e desumanas como em quaisquer outras encontradas no Novo Mundo”, escreveu Abadias do Nascimento ao Geledés.

O racismo através dos dados

Outro ponto de crítica é que a opressão e violência prosseguiram mesmo após o término da escravidão, sendo que tais problemas se evidenciaram de outras formas, mas sempre rebaixando os negros e índios e os colocando em condições inferiores ao homem branco.

Essa distinção entre raças levou à manutenção do preconceito racial, impactando as estatísticas de desemprego, diferença salarial, acesso à educação, criminalidade, homicídios etc., e atinge os negros até os dias de hoje.

Um exemplo desse racismo nada velado é demonstrado pelos números de assassinatos de negros no Brasil. De acordo com o Atlas da Violência de 2017, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 100 pessoas vítimas de homicídios, 71 eram negras. Conforme o Ipea, em 2015, dos cerca de 10 milhões de desempregados, aproximadamente 2,7 milhões eram homens negros e 3,1 milhões eram mulheres negras. Os dois dados reforçariam, então, a tese de que os negros são discriminados da sociedade.

Conclusão

Embora muitos defendam que não exista racismo no Brasil e a miscigenação e a cultura do país realmente demonstrem essa mistura entre as raças, é fácil de notar que o racismo está presente no dia a dia e tem apartado os negros socialmente. Um país com tantos recursos e potencialidades não pode relegar boa parte de sua população à miséria e à morte. Por mais que os discursos e as boas intenções tentem mostrar o contrário, o Brasil ainda está muito longe de uma democracia racial.

Jornalista com 15 anos de experiência, é mestre em América Latina pela Universidade de São Paulo (USP) na linha de pesquisa Práticas Políticas e Relações Internacionais.

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